HISTÓRIA DO BRASIL - ANO MMXXIV DO QUADRIÊNIO DA ESPERANÇA, VOZES DO BOM SENSO: PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Faz sentido? Tomando de empréstimo o título de uma comédia
de Shakespeare, diria que é muito barulho por nada —ou quase nada.
Os alertas principais dos críticos não são convincentes. Por falta de espaço, vou tratar
apenas de alguns aspectos do problema, em especial de duas perguntas: 1 -
Haverá, como se alega, aumento dos juros de longo prazo, com impacto recessivo?; e 2 - As
novas metas trazem risco de crescimento insustentável da dívida?
A primeira pergunta aponta para um efeito persistente das novas
metas de déficit primário sobre as taxas de juro, com efeito recessivo.
Supõe-se que a menor
ambição da política fiscal gera
desconfiança dos credores privados e aumenta os juros pagos pelo governo para
prazos mais longos. Isso contamina o custo do crédito para investimento e
consumo de duráveis, além de causar apreciação cambial (com efeito negativo
sobre as exportações). Paradoxalmente, a expansão fiscal seria
"contracionista".
Esse argumento pode parecer plausível, mas é baseado em
conjecturas frágeis. Não se sabe se o efeito sobre os juros longos é duradouro
ou momentâneo e se, sendo duradouro, pode ser visto como significativo.
Tampouco se sabe qual seria exatamente a dimensão do efeito dos juros sobre a
demanda interna e o câmbio. Na prática, como há capacidade ociosa, o impacto expansivo
da política fiscal, via demanda agregada, tende a prevalecer sobre os impactos
recessivos via juros e câmbio. O paradoxo é instigante, mas falso. A expansão
fiscal é mesmo expansionista, não contracionista.
Uma ressalva, porém. Se o Banco Central sancionar expectativas pessimistas, sinalizando uma
política monetária mais dura, a curva de juros se deslocará para cima. Seria um
caso de percepções autorrealizadas. O conservadorismo do BC reforçaria o
conservadorismo do mercado financeiro, e vice-versa. Pode acontecer? Se
depender do presidente
do BC, não há dúvida que sim. Só que o Copom, onde se tomam as decisões relevantes, conta hoje com
quatro integrantes indicados pelo governo Lula, o que parece mudar o quadro.
De todo modo, o essencial é reconhecer que as expectativas não
se baseiam apenas em "fatos" e argumentos lógicos, mas refletem
também convenções e instintos de manada. As previsões de um agente econômico
são formuladas sempre com um olho nas previsões do vizinho. A sua dispersão
tende a ser menor do que seria se os economistas e consultores fossem trancados
em salas separadas, sem acesso a seus pares. E, em qualquer momento, o BC e o
Tesouro têm influência decisiva sobre a formação das expectativas.
Seja como for, caberia o receio de que o crescimento da dívida
possa se tornar insustentável em razão das novas metas? É óbvio que elas
acarretam "ceteris paribus", um aumento da dívida governamental. Além
disso, "ceteris non paribus": um possível aumento do custo da dívida
seria um fator adicional de expansão do endividamento.
Não há motivos, entretanto, para projetar uma dívida muito
maior. As reduções do saldo primário foram modestas e cautelosas. E o aumento
dos juros depende, em larga medida, de um "gol contra" do BC, que
teria de adotar postura não colaborativa, de ação descoordenada com o Tesouro,
diferentemente do que ocorre em qualquer país civilizado.
Uma palavra final sobre as hipocrisias do mercado. O déficit
relevante para o aumento
da dívida pública é o déficit total, quase
esquecido, e não o badalado déficit primário. O déficit total inclui as
despesas de juros que são muito pesadas, em larga medida por causa da política
de juros do BC. Em 2024, estima-se que a carga financeira contribuirá quase
nove vezes mais do que o déficit primário para o aumento da dívida.
Eis aí um paradoxo, este sim verdadeiro: a suposta
responsabilidade monetária gera irresponsabilidade fiscal.
Pequena pergunta insincera: por que será que os economistas do
mercado raramente reclamam das pornográficas taxas de juros? Como
"não" dizia Mandeville, que muito influenciou Adam
Smith: vícios privados, "malefícios"
públicos.
Autor: Paulo Nogueira Batista Jr.
Economista, foi vice-presidente do Novo Banco de
Desenvolvimento, estabelecido pelo Brics; autor de “O Brasil Não Cabe no
Quintal de Ninguém” (ed. LeYa).
Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo