HISTÓRIA DO BRASIL - ANO MMXXIV DO QUADRIÊNIO DA ESPERANÇA: REFORMA TRIBUTÁRIA - lV
Reforma
tributária deve trazer alívio para os mais pobres
É
muito provável que os brasileiros de baixa renda percebam a diferença (para
menos) nos gastos com produtos e serviços essenciais
O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao entregar no Congresso Nacional o
calhamaço de 300 páginas e 500 artigos que compõem a regulamentação da reforma
tributária, chamou a atenção para o potencial de crescimento econômico
dela decorrente. A simplificação e a digitalização que virão com o novo sistema
podem fazer o Produto Interno Bruto (PIB) crescer de 10% a 20% ao longo do
tempo. Faltou mencionar os dividendos políticos que o governo pode colher com
medidas que, tudo indica, promoverão mais justiça tributária e,
consequentemente, aliviarão o bolso dos mais pobres.
Faz
décadas que a tributação brasileira sobre consumo é criticada pela
regressividade. Significa que, quanto menos se ganha, mais se paga. Injustiça
define. A emenda constitucional promulgada em 2023 não é livre de assimetrias.
Afinal, ainda há setores privilegiados com exceções, impedindo que a alíquota
média fique abaixo dos 26,5% ora estimados. Mas é muito provável que os
brasileiros de baixa renda percebam a diferença (para menos) nos gastos com
produtos e serviços absolutamente essenciais. Nada trivial num país em que um
em cada quatro lares enfrenta algum nível de insegurança alimentar; e onde mais
da metade dos domicílios em situação severa — fome, portanto — tem renda domiciliar
per capita inferior a meio salário mínimo.
No
Projeto de Lei que chegou ao Congresso, a equipe econômica propôs a
formalização do cashback. É literalmente dinheiro pago em impostos devolvido ao
contribuinte de baixa renda. Quem estiver no Cadastro Único com renda
domiciliar per capita abaixo de meio salário mínimo terá de volta 100% da CBS,
o imposto federal, cobrado do botijão de gás; metade do valor incidente sobre
contas de luz, gás encanado, água e esgoto. Nos demais produtos, 20% de CBS e
IBS (impostos estadual e municipal) retornarão para os consumidores.
No
café com jornalistas, no Palácio do Planalto, o presidente da República usou a
economia para explicar a perda de popularidade recente do governo. A receita de
Lula para superar o mau humor do eleitorado é reduzir o preço da comida ou
aumentar os salários. Devolver o ganho real do salário mínimo foi promessa de
todas as campanhas presidenciais do mandatário, incluindo a última. A regra de
correção já mudou e, desde o início do terceiro mandato, o piso já aumentou R$
110. Foram R$ 18 a mais em maio de 2023 e R$ 92 em janeiro passado. Boa parte
do valor foi tragado pela inflação dos alimentos no primeiro trimestre.
A
desoneração da cesta básica nacional e a aplicação de alíquota reduzida em outros
alimentos devem diminuir o preço de alimentos que flutuam muito ao sabor das
condições climáticas, do custo dos combustíveis e do frete, das cotações no
mercado internacional. Arroz, feijão, farinha de mandioca, óleo de soja, leite,
raízes e tubérculos, farinha de trigo, açúcar estarão livres de impostos após a
reforma; são itens que pesam mais na cesta de consumo dos mais pobres. Carnes,
peixes, queijos, sucos e polpas de frutas sem açúcar e aditivos terão desconto
de 60% na tributação. O Ministério do Desenvolvimento Social propôs desonerar o
frango, mas a Fazenda incluiu as proteínas animais na alíquota reduzida.
Demais
alimentos pagarão a alíquota-padrão. Bebidas alcoólicas e açucaradas,
basicamente refrigerantes, estarão sujeitas ao Imposto Seletivo, a taxação
adicional, com outros produtos que degradam meio ambiente (combustíveis,
automóveis) e saúde (cigarros). Houve pressão de autoridades de saúde e
organizações da sociedade civil pela tributação maior dos alimentos
ultraprocessados, caso de comida pronta, como lasanhas e pizzas, salgadinhos,
biscoitos, balas, guloseimas. Em janeiro, o British Medical Journal tornou
público estudo que associa 32 doenças ao consumo de ultraprocessados, incluindo
câncer, problemas cardíacos e pulmonares, diabetes, perturbações da saúde
mental e morte precoce.
Por
ora, o que a Fazenda fez foi deslocar os ultraprocessados para a alíquota cheia
e aplicar aos alimentos in natura a desoneração. Na exposição de motivos, o
governo afirma que itens saudáveis foram privilegiados para induzir boas
práticas de alimentação. Houve algum esforço para seguir recomendações do Guia
Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde. No início do
mês, a Fiocruz divulgou estudo sobre as crianças brasileiras estarem, ao mesmo tempo,
mais altas e obesas. Os pesquisadores analisaram 5,7 milhões de crianças, de 3
a 10 anos, que foram divididas em dois grupos, nascidas entre 2001-2007 e
2008-2014. A faixa mais nova ganhou 1 centímetro sobre os mais velhos, em ambos
os sexos. A obesidade saiu de 11,1% para 13,8% entre os meninos e de 9,1% para
11,2% entre as meninas. Se o ganho de altura reflete melhorias das condições de
vida, o aumento da obesidade preocupa. O estudo cita “novos padrões na dieta,
com destaque para o papel dos ultraprocessados” como causa, bem como
comportamento sedentário e inatividade física.
— Há certa frustração pelos ultraprocessados não terem sido incluídos no Imposto Seletivo. Margarina está na cesta básica, provavelmente alguns bolos, biscoitos e salgadinhos vão entrar na alíquota reduzida. Mas a maior parte dos itens está exposta ao imposto cheio. Isso tende a tornar a alimentação saudável mais barata, mais atraente, se a lei for aprovada como está — diz Marcello Baird, coordenador de Advocacy da ACT Promoção da Saúde, uma das organizações mais ativas em defesa da saúde pública no país.
Autora: Flávia Oliveira