HISTÓRIA DO BRASIL: ANO MMXXIV - CAUSAS DA INFLAÇÃO EM JANEIRO
IPCA/2024: o que houve com o preço dos alimentos — e por que a angústia dos economistas é outra
Depois
de ser protagonista da desinflação em 2023, o grupo de Alimentação e bebidas
teve o maior peso nos preços pelo terceiro mês consecutivo. Para especialistas,
o efeito é sazonal e a preocupação maior é com o setor de serviços.
Pela
terceira vez, o grupo de Alimentação e bebidas teve a maior contribuição de
alta para os preços medidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA). O dado de janeiro
foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na quinta-feira 08/02/24.
Na
média, os
preços subiram 0,42%, acumulando 4,51% nos últimos 12 meses. Sozinho, o
grupo teve peso de 0,29 ponto percentual no índice geral de janeiro, após alta
de 1,38% no mês.
A
situação assusta pois os alimentos tiveram grande contribuição para a
desinflação no ano passado. Apesar do arranque em novembro e dezembro, foram
quatro meses consecutivos de queda, entre junho e setembro. Em 2023, a
alta acumulada foi de 1,03%, a segunda menor de todos os nove grupos do
IPCA.
Há também
o fato de que a alimentação teve altas consideráveis nos anos de pandemia de
Covid-19. Em 2022, o
grupo subiu 11,64%. Quando se parte de uma base de comparação alta, as
quedas também são mais expressivas, e também mais representativas no processo de
desinflação.
Assim, o
conjunto Alimentação e bebidas foi um dos protagonistas para que o
IPCA fechasse o ano de 2023 dentro da meta de inflação estabelecida
pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN). E a melhora das expectativas deu tranquilidade ao
Banco Central para iniciar
o ciclo de queda da taxa básica de juros.
Mas resta
a dúvida: a aceleração dos preços dos alimentos pode reverter a tendência
e retrair o BC na queda da Selic? Para especialistas ouvidos pelo g1, a resposta é não — ao menos considerando
especificamente a situação dos alimentos.
São dois
pontos a considerar:
O preço
dos alimentos sofre de um efeito sazonal: no verão, alimentos in natura têm
queda natural de oferta, o que empurra os preços para cima.
O El Niño intensificou
as variações climáticas e criou dificuldades de colheita, trazendo um prejuízo
extra aos preços.
Entre os
produtos, a cenoura (43,85%), a batata-inglesa (29,45%), o feijão-carioca
(9,70%), o arroz (6,39%) e as frutas (5,07%) foram os destaques do IBGE para o mês.
“Hortaliças,
legumes, tubérculos e raízes têm oferta menor no verão. As famílias não abrem
mão do consumo e o agro não consegue produzir a contento”, afirma André Braz,
economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV
Ibre).
“O que
preocupa na inflação é quando ela está muito espalhada e persistente. Nesse
caso, ela é concentrada em grupos de alimentos e não é duradoura. O desafio da
política monetária não aumenta porque um produto sobe temporariamente de
preço”, prossegue.
A
expectativa, portanto, é que a chegada do outono e um alívio do El Niño possam
controlar os preços de alimentos in natura adiante.
Para o
economista Fábio Romão, da LCA Consultores, seria muito difícil que a
Alimentação no domicílio, que agrupa especificamente os preços in natura,
tivesse nova queda em 2024, como teve em 2023.
No ano
passado, o subgrupo teve deflação de 0,5%, na primeira queda desde 2017. Para
este ano, a projeção de Romão é de uma alta de 4%, que ele considera um ganho
moderado.
“Nas
informações recentes do atacado, em que pesam bastante as commodities e mostram
os preços ao produtor agropecuário, as sinalizações são de queda. É o estágio
anterior à cadeia produtiva do varejo agropecuário. Isso descomprime os preços
após o primeiro trimestre”, diz o economista.
Por isso,
a projeção para o IPCA no boletim Focus não tem se alterado, mesmo com a
aceleração dos preços no grupo. Na última versão do relatório, o mercado financeiro
projetava uma alta de 3,81% para a inflação em 2024.
O número
está abaixo do acumulado visto em janeiro, o que significa que os preços devem
desacelerar.
Serviços
no foco
A
preocupação dos analistas é outra: o setor de serviços. A inflação de
serviços medida pelo IBGE mostra um acumulado de 5,62% em 12 meses, ainda acima
da média do IPCA.
Já o
núcleo de serviços subjacentes, aquele que indica melhor a tendência do setor e
exclui medidas mais voláteis, teve alta de 0,76% em janeiro — a maior surpresa
de todas as aberturas do IPCA na opinião dos especialistas.
O núcleo
de serviços é uma das principais métricas observadas pelo BC para a
continuidade do ciclo de cortes da Selic. A
taxa básica de juros passou por cinco quedas seguidas, mas o Comitê de
Política Monetária (Copom) deixou clara a preocupação
com a continuidade do processo de desinflação.
“O
mercado de trabalho está aquecido, e famílias aumentam a cesta de consumo nessa
situação. Quanto mais confortável com a renda, mais você viaja, vai ao salão de
beleza, come fora de casa”, diz André Braz, do FGV Ibre.
“No
Brasil, mesmo os serviços livres têm muita indexação. É o caso do aluguel,
condomínio e mensalidade escolar. Eles têm peso no orçamento e muita
dificuldade de reduzir no ano.”
A
intensidade desse efeito, porém, ainda é incerta. Já na repercussão do
resultado de ontem, economistas classificavam o número dos serviços subjacentes
como uma espécie de “alerta amarelo”.
Para
Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, os resultados ainda não
revertem a tendência de queda da Selic, mas ligam alertas sobre a trajetória
dos preços. Ainda que tenha ficado claro que itens voláteis influenciaram o
resultado, é preciso observar como serão os próximos meses.
"Já
esperávamos um número feio para esse fechamento, mas veio muito pior. É um
sinal desconfortável, mas mantemos a visão de que deve haver alguma
descompressão nos próximos meses. Ainda tem um componente dos reajustes anuais
nesse dado", comentou a especialista.
Já Laiz
Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas, indicou que a alta de serviços
subjacentes vinha se desenhando desde os resultados do IPCA-15 do mês, mas será
monitorada de perto para antecipar os próximos passos do BC.
"Ainda
é cedo para falar de reversão da desaceleração de serviços. Mas, daqui para a
frente, além do índice cheio em si, esse é o aspecto que todos vão acompanhar
para entender o impacto da atividade econômica na inflação, em especial do
mercado de trabalho", diz a economista.
Resultado
dos grupos do IPCA de janeiro/2024:
Alimentação
e bebidas: 1,38%;
Habitação:
0,25%;
Artigos
de residência: 0,22%;
Vestuário:
0,14%;
Transportes:
-0,65%;
Saúde e
cuidados pessoais: 0,83%;
Despesas
pessoais: 0,82%;
Educação:
0,33%;
Comunicação:
-0,08%.
