HISTÓRIA DO BRASIL - ANO MMXXIV DO QUADRIÊNIO DA ESPERANÇA, VOZES DO BOM SENSO: ANDRÉ RONCAGLIA
A mão pesada do Estado é exatamente do que a Petrobras
precisa agora
Priorização do acionista minoritário não é
cláusula pétrea da governança corporativa
A Petrobras está
sob nova gestão e o mercado financeiro luta para manter sua "vaca
leiteira". A decisão do Conselho de Administração da empresa de reter
lucros excedentes à regra de distribuição de dividendos não tem nada de
voluntarista; ao contrário, busca resgatar a capacidade de planejamento da
maior empresa do Brasil.
São constrangedoras, portanto, as piruetas retóricas de comentaristas na imprensa defendendo a primazia do acionista minoritário, como se fosse uma cláusula pétrea da governança corporativa. A banda não toca mais assim... no mundo!
A
governança corporativa focada no extrativismo de curto prazo (resultados
trimestrais) fragilizou as economias de mercado ao encurtar o horizonte de
planejamento das empresas.
Segundo William
Lazonick (University of Massachusetts Lowell), tal modelo produziu
concentração de riqueza, desvirtuação da gestão corporativa, aumento da
insegurança operacional –como o pavoroso caso da Boeing–, atrofia
do ímpeto inovativo e esmagamento
da classe média, a qual perdeu os bons empregos de colarinho azul para a
insaciável cultura de corte de custos.
Ciente
desses resultados, a mais influente associação de empresários dos EUA (Business
Roundtable) anunciou, em agosto de 2019, "nova Declaração sobre o
Propósito de uma Corporação", assinada por 181 executivos, que prometeram
"liderar suas empresas para o benefício de todas as partes interessadas
–clientes, funcionários, fornecedores, comunidades e acionistas".
Nesse
novo modelo de governança, o interesse e a ansiedade do acionista por lucros
trimestrais não dominam a gestão. Dilata-se o horizonte das ações corporativas,
incorporam-se outros interesses e reconhecem-se custos que antes as empresas
empurravam para a sociedade (poluição, tratamento de resíduos etc.).
A
mudança surgiu em meio à crescente percepção de que o aumento da desigualdade
de riqueza e a crescente concentração da propriedade dos ativos financeiros
poderiam produzir distorções na alocação de capital. A crise de 2008 e a
pandemia escancararam a incapacidade do "capitalismo dos acionistas"
em lidar com uma crise sistêmica. A paralisia generalizada da elite
global em Davos em face da crise climática é exemplo destes
descaminhos do grande capital.
Dois
prêmios Nobel de Economia, Joseph
Stiglitz e Michael
Spence, defenderam esse modelo de "capitalismo de interesses
amplos" (stakeholder
capitalism). Para Spence, o arranjo "estabelece novos limites para a
busca de retornos sobre o capital –limites que se destinam a proteger os
cidadãos (funcionários, clientes mal informados, fornecedores, gerações
futuras)" que, sem poder de mercado, não têm como se proteger. Stiglitz
fez a ressalva de que o Estado deve disciplinar as corporações para que cumpram
as promessas de mudança.
Exemplo
desse novo paradigma corporativo, a petroleira estatal norueguesa Equinor
também cortou os dividendos extraordinários distribuídos
aos acionistas e o preço da ação caiu
7%. Lá, o Estado detém 67% das ações e sofre críticas por investir no
"mercado pouco rentável" de energias renováveis e soluções de baixo
carbono.
Da
mesma forma, a Petrobras deve direcionar as volumosas rendas de monopólio à
transição energética. É inadiável que se reduza a distribuição de dividendos
ordinários ao mínimo de 25% do lucro líquido (R$ 29,2 bilhões em 2023),
estabelecido pela lei
das S/As, em vez da atual regra de 45% do fluxo de caixa livre (R$ 72,4
bilhões em 2023).
Os
acionistas majoritários da Petrobras são os mais de 200 milhões de brasileiros
e brasileiras e rejeitam a interferência política dos acionistas minoritários,
fixados em seu retorno financeiro de curto prazo.
É
preciso colocar nossa mais estratégica empresa a serviço da reindustrialização,
para o bem do Brasil.