NIB
Política industrial de volta à cena
Plena execução exigirá amadurecimento
institucional, diálogo e liderança
Ana
Paula Avellar
Professora titular do Instituto de Economia e Relações
Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Em
22 de janeiro de 2024, o governo federal anunciou
a política industrial "Nova Indústria Brasil" (NIB), constituída
por seis missões, que englobam os seguintes temas: cadeias agroindustriais,
saúde, bem-estar nas cidades, transformação digital, bioeconomia,
descarbonização, transição e segurança energéticas e defesa. A iniciativa
prevê R$ 300 bilhões para a custear até 2026, entre financiamento com
recursos orçamentários do BNDES e desembolsos do FNDCT (Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Finep (Financiadora de Estudos e
projetos).
Ao
relembrar as últimas
políticas industriais do Brasil —a Política Industrial, Tecnológica e
de Comércio Exterior (2003-2007), a Política de Desenvolvimento Produtivo
(2008-2010), o Plano Brasil Maior (2011-2014) e o Programa Inova Empresa
(2011)—, observa-se que há praticamente dez anos não se executa política
industrial. Essa opção pela "não política industrial" aprofundou o
processo de desindustrialização, de queda da produtividade e da inovação
industrial.
Ponto
positivo para o governo, que colocou a política industrial de
volta ao debate e em sintonia com a prática de países
como EUA, membros da União Europeia e China.
Ainda
que algumas críticas considerem
que a proposta seja um conjunto "requentado" de experiências
passadas, é possível observar pontos de pioneirismo.
O conjunto
de princípios da NIB é inédito e ultrapassa os aspectos relacionados
ao desenvolvimento produtivo e tecnológico ao preocupar-se com o aumento da produtividade
e competividade e ter orientação voltada à melhor inserção internacional da
indústria —distante, portanto, da velha lógica de substituição de importações.
O
conjunto de princípios ainda se orienta por elementos relacionados ao
desenvolvimento econômico, como a busca pela equidade de gênero, cor e etnia, a
redução das desigualdades e a inclusão socioeconômica, a distribuição regional,
a promoção do trabalho com qualidade e a sustentabilidade.
O
recorte por missões é inovador e se apresenta com uma concepção moderna ao
dialogar com experiências internacionais. O formato orientado por missões,
proposto por Mariana
Mazzucato, da University College London, estrutura-se por objetivos a serem
alcançados, que definem a forma como as ações da política se efetivarão.
Muda-se, assim, o eixo lógico do plano dos antigos recortes por setores
industriais ou mesmo de empresas "campeãs nacionais".
Ademais,
alguns temas que compõem as missões merecem destaque pela atualidade e pela
relevância no debate mundial, como os relacionados às cadeias agroindustriais
sustentáveis, ao bem-estar nas cidades inteligentes, à transformação digital e
à transição energética.
Ainda
que críticos afirmem que os instrumentos são os mesmos "de sempre",
como incentivos fiscais e créditos subsidiados, o menu disponível é mais
abrangente e conta com instrumentos que são comumente (e historicamente) utilizados
no mundo, como empréstimos, créditos tributários, compras públicas, conteúdo
local, margem de preferência, infraestrutura de qualidade e regulação.
Dado
seu complexo
desenho institucional, será essencial que haja uma boa coordenação das
ações com escolha das prioridades e sua distribuição ao longo do tempo. Dada a
forma democrática como foi construída e institucionalizada pelo CNDI (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Industrial), a plena execução da NIB exigirá
amadurecimento institucional, manutenção do diálogo entre as esferas envolvidas
e liderança para o enfrentamento das adversidades. Conforme afirma Dani
Rodrik, da Universidade Harvard (EUA), o sucesso da política industrial
depende de um ambiente institucional forte e de decisões tomadas com
transparência.
É eminente
a necessidade de um constante monitoramento dessa nova experiência
para que sejam possíveis correções em curso. Desse modo, será fortalecida a
capacidade de execução bem como de atuação das instituições participantes.
Com
novos desafios e pioneirismo, a NIB traz novamente luz ao debate sobre o papel
da indústria e a construção de uma estratégia de desenvolvimento econômico
sustentável para o país.
Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo
Resumo de uma boa política industrial
*Igor Rocha
Interessante entrevista do Dani Rodrik. Destaco algumas passagens de uma política industrial bem sucedida segundo o economista:
- Quanto mais coisas você tenta alcançar, menor é a probabilidade de consegui-las.
- Uma política industrial bem-sucedida funciona normalmente de uma forma que um sociólogo chamaria de uma forma “incorporada”: o processo de elaboração de políticas é coordenado em torno da informação que circula entre o sector privado, os empresários e outras partes interessadas.
- É preciso praticar a política industrial de uma forma em que o governo interaja constantemente com o sector privado para compreender onde estão as oportunidades.
- Requer uma certa disciplina governamental. (…) O tipo de disciplina que é necessária é a disciplina de monitorar, saber se o que você está fazendo está funcionando e ser capaz de fugir dos erros quando as coisas não estão funcionando.
- Uma política industrial bem sucedida não consiste em escolher vencedores, mas sim em deixar ir os perdedores. Alguns dos piores casos de política industrial ocorrem quando se continua a investir dinheiro depois do fracasso.
- A partir desse tipo de evidência, podemos ver, por exemplo, que as restrições comerciais causadas por bloqueios comerciais produzem mudanças duradouras na estrutura da produção económica, de certa forma imitando o efeito de uma política de substituição de importações.
- Da minha experiência no estudo dos países em desenvolvimento, prefiro cometer o erro de promover excessivamente as minhas indústrias e investir excessivamente na transformação estrutural em áreas mais produtivas do que sub-comprometer-me.
- As políticas industriais têm de ser avaliadas como um portfólio, tal como Venture Capital. A regra típica é que um pequeno número de investimentos bem-sucedidos pagará por todos os fracassos.
Fonte: Paulo Gala/Economia & Finanças

