PORQUÊ SOU KEYNESIANO

 

Em outubro de 1929, John Maynard Keynes acompanhou o preço das ações despencar na bolsa de Nova York, e parte dos seus investimentos evaporar. Aos 46 anos, já era um macroeconomista renomado, ávido investidor da bolsa, além de consultor de negócios. Mas, como a maioria dos seus colegas, não previu a crise que abalou o mundo e que acabou consumindo 80% da sua fortuna. Com o ego ferido, de acordo com o seu biógrafo John F. Wasik, ele ficou obcecado em encontrar uma forma de reaquecer a economia, diminuir o desemprego e incentivar investimentos na bolsa de valores. 

Nos anos seguintes, durante a Grande Depressão, Keynes trabalhou como conselheiro econômico do governo britânico e, aos poucos, foi elaborando a sua teoria. Chegou à conclusão de que a única maneira da economia – paradigma teórico desenvolvido, entre outros, por Adam Smith. Em 1776, o escocês Smith havia publicado A Riqueza das Nações, livro que inaugurou a economia moderna e consolidou as ideias liberais de algumas nações europeias que viviam a infância da Revolução Industrial. No modelo de Adam Smith, governos atrapalham o crescimento econômico quando se metem demais no dia a dia dos negócio.

O liberalismo defende um mercado independente do setor público, com capacidade de se autorregular automaticamente, sem necessidade de interferências de presidentes e ministros. Mais ou menos assim: uma temporada de chuvas prejudica as vendas dos feirantes, mas vira boa notícia para vendedores de guarda-chuvas. A sociedade continua gastando dinheiro e gerando riquezas constantemente – o dinheiro apenas muda de mãos. Se o feirante quebrar, tudo bem. O setor de guarda-chuvas, em alta, vai gerar mais empregos e poderá absorver os demitidos da banca de frutas. No fim, tudo dá certo. Os economistas clássicos viam o setor privado como um ciclista, “que às vezes cai da bicicleta, mas em seguida levanta e continua a pedalar”, segundo Wasik.
 
Mas Keynes acreditava que os períodos de instabilidade seriam muito longos e dolorosos para a sociedade sem a interferência governamental. Mesmo com oferta de emprego na indústria de guarda-chuvas, o trabalhador da feira tem outra especialidade. Por isso, seu emprego não está garantido no setor aquecido. Enquanto tenta se recolocar no mercado, ele vai deixar de pagar o aluguel, parar de fazer compras e seus filhos terão de sair da escola para ajudar no orçamento de casa. Uma bola de neve econômica que prejudica a sociedade em diversos níveis. Mas e se os governos oferecessem seguro-desemprego, cursos de requalificação e financiamento subsidiado para o feirante sobreviver à temporada de chuvas? O drama seria abreviado.
 
Uma socialização ampla dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego.


 

Keynes sabia que não seria tarefa fácil convencer os seus colegas de que estavam errados. Por isso escreveu um livro (foto acima) extremamente teórico e minucioso, com mais de 300 páginas divididas em seis partes – um grande desafio para o leitor desavisado. A obra começa explicando os problemas da teoria clássica, ponto a ponto. Em seguida, reflete sobre formas de estimular a economia e introduz a ideia de que financiamento público pode elevar a confiança de consumidores e investidores, fazendo girar a engrenagem. Foi a primeira vez que um economista vinculou comportamento humano ao bem-estar da economia. Ou seja, Keynes percebeu que somos irracionais quando o assunto é dinheiro. Embora somas e multiplicações não sejam nada além de matemática básica (previsível e constante), as pessoas tomam decisões financeiras com base nas próprias emoções e interpretações sobre o futuro (subjetivas e inconstantes). Na crise, o “espírito animal" toma conta, as decisões se tornam mais pessimistas, e o resultado vira uma espiral de fracasso para todos.

O economista não teve tempo para ver a repercussão das suas ideias. Ele morreu dez anos após a publicação do livro, sendo que passou um bom tempo debilitado por uma doença cardíaca. Se tivesse vivido mais, teria visto que os seus princípios foram amplamente adotados por líderes mundiais após a 2ª Guerra. Em 2008, teria observado, orgulhoso, o presidente americano Barack Obama injetar US$ 800 bilhões no setor privado para evitar a falência em cascata de bancos e uma recessão ainda pior do que se viu dali em diante. “Foi uma intervenção tipicamente keynesiana, um receituário muito semelhante ao que ele tinha proposto para a crise de 1929”, diz Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e vice-presidente da Associação Keynesiana Brasileira.

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