HISTÓRIA ECONÔMICA DO SÉCULO XXI: CAPÍTULO - VI
O nacional-conservadorismo é perigoso e está se espalhando pelo
mundo; progressistas precisam encontrar uma maneira de impedi-lo
Por The
Economist
Nos anos 80, Ronald Reagan e Margaret Thatcher construíram um
novo conservadorismo em torno de mercados e liberdades. Hoje, Donald Trump, Viktor Orbán e uma trupe heterogênea de políticos ocidentais
demoliram aquela ortodoxia, construindo em seu lugar um conservadorismo
estatizante e “antilacração”, que coloca soberania nacional acima do indivíduo.
Esses nacional-conservadores são cada vez mais parte de um movimento global com
redes próprias de pensadores e líderes ligados por uma ideologia em comum. Eles
se sentem donos do conservadorismo hoje — e podem estar certos.
Apesar do nome, o nacional-conservadorismo não poderia ser mais
diferente das ideia de Reagan e Thatcher. Em vez de céticos em relação ao
Estado grande, os nacional-conservadores consideram que as pessoas comuns são
assoladas por forças globais impessoais e que o Estado é seu salvador.
Ao contrário de Reagan e Thatcher, eles odeiam combinar
soberanias em organizações multilaterais, suspeitam que os livres mercados são
manipulados por elites e são hostis à imigração. Eles desprezam qualquer
pluralismo, especialmente o multicultural. Nacional-conservadores são obcecados
em desmantelar instituições que consideram manchadas por lacrações e
globalismos.
Em vez de ostentar uma crença solar no progresso, os
nacional-conservadores são possuídos por um declinarismo. William Buckley, um
pensador à moda antiga, gracejou certa vez afirmando que “Um conservador é
alguém que fica atravessado no caminho da história, gritando ‘pare’”. Em
comparação, os nacional-conservadores são revolucionários. Eles não veem o
Ocidente como a cidade iluminada no topo da colina, mas como Roma antes da
queda: decadente, depravada e prestes a ruir em meio a uma invasão bárbara. Não
contentes com o progresso que resiste, eles querem destruir também o
liberalismo clássico.
Alguns esperam que todo esse movimento vá se dissipar.
Nacional-conservadores são incoerentes demais para representar uma ameaça,
afirmam. A primeira-ministra
da Itália, Giorgia Meloni, apoia a Ucrânia. O partido polonês Lei e Justiça (PLJ) é antigay;
na França, Marine Le Pen é permissiva.
Além disso, obsessão com soberania nacional pioraria a situação
das pessoas conforme o comércio colapsa, o crescimento econômico empaca e os
direitos civis são tolhidos. Eleitores certamente escolheriam restaurar o mundo
fabricado pelo liberalismo.
Essa visão é imperdoavelmente complacente. O
nacional-conservadorismo é a política do ressentimento: se políticas produzem
resultados ruins, seus líderes colocarão a culpa em globalistas e imigrantes, e
essa alegação apenas prova o quanto há de errado com o mundo.
Apesar de todas as suas contradições, os nacional-conservadores
foram capazes de se unir em torno de sua hostilidade em relação a inimigos em
comum, incluindo migrantes (especialmente muçulmanos), globalistas e todos os
seus supostos cúmplices. Nove meses antes da eleição americana, Trump já está
minando a Otan.
Nacional-conservadores também merecem ser levados a sério em
razão de seus prospectos eleitorais. Trump lidera as pesquisas nos Estados
Unidos. A previsão é que a extrema direita
desempenhe bem nas eleições para o Parlamento Europeu, em junho. Na Alemanha, em dezembro, o partido de extrema direita Alternativa
para a Alemanha alcançou um pico-recorde, de 23%, nas pesquisas. Antecipando
uma derrota eleitoral para Rishi Sunak, tories estridentemente pró-Brexit e anti-imigração
conspiram para tomar controle de seu partido. Em 2027, Le Pen poderia muito bem
se tornar presidente da França.
E nacional-conservadores importam porque, quando eles conseguem
ascender ao poder, tudo muda. Ao encarregar-se de capturar instituições do
Estado, incluindo tribunais, universidades e a imprensa independente, eles
cimentam seu controle. Foi isso o que o partido Fidesz, de Orbán, fez na
Hungria. Nos EUA, Trump tem sido explícito a respeito de suas pretensões
autocráticas. Pessoas que trabalham para ele formularam minutas de memorandos
que definem um programa para capturar a burocracia federal.
Uma vez que as instituições ficam enfraquecidas, pode ser
difícil restaurá-las. Na Polônia, o PLJ teve a mesma agenda, antes de ser
retirado do poder, em eleições, no ano passado. A coalizão de centro-direita
que o derrotou agora enfrenta dificuldades para afirmar seu controle.
Como, então, conservadores à moda antiga e progressistas
clássicos devem lidar com o nacional-conservadorismo? Uma resposta é levar as
queixas legítimas das pessoas a sério. Cidadãos de muitos países ocidentais
consideram imigração ilegal uma fonte de desordem e gasto de dinheiro público.
Eles se preocupam com a possibilidade de seus filhos ficarem mais pobres. Temem
perder seus empregos para novas tecnologias.
Acreditam que instituições como universidades e a imprensa foram
capturadas por elites hostis, iliberais e esquerdistas. Consideram os globalistas
que prosperaram nas décadas recentes membros de uma casta egoísta e arrogante,
de pessoas que gostam de acreditar que ascenderam ao topo em um sistema
meritocrático quando, na realidade, herdaram seu sucesso.
Essas queixas têm seus méritos, e desdenhar delas apenas
confirma o grau de alienação que impregnou as elites. Em vez disso,
progressistas e conservadores à moda antiga precisam de políticas para lidar
com elas. Imigração legal fica mais fácil quando a ilegal é combatida. Regras
de planejamento restritivas excluem jovens do mercado de imóveis. Lojas
fechadas precisam ser resgatadas.
Para ter a sociedade verdadeiramente aberta que afirmam desejar,
os progressistas têm de pressionar para que instituições intelectuais de elite
— grandes empresas, jornais e universidades — encarnem os princípios do
liberalismo em vez de sucumbir à censura e ao pensamento de grupo. Apesar de
todas as esquerdas e direitas iliberais serem inimigas mortais, suas algazarras
de alta octanagem a respeito de lacrações sustentam-se mutuamente.
Para diminuir o medo nacional-conservador de que o modo de vida
das pessoas está sob ameaça, os progressistas também precisam fincar suas
reivindicações em algumas ideias de seus oponentes. Em vez de sinalizar
virtudes, deveriam reconhecer que também podem ser iliberais.
Se forem reticentes demais na defesa de princípios como
liberdade de expressão e de direitos individuais contra os excessos da
esquerda, os progressistas fatalmente minarão sua capacidade de defendê-los
contra a direita. Em vez de ceder o poder dos mitos e símbolos nacionais para
políticos oportunistas, os progressistas precisam superar seu constrangimento
com o patriotismo, o amor natural de um indivíduo por seu país.
A grande força do liberalismo é sua adaptabilidade. Os movimentos abolicionista e feminista arrebentaram com a ideia de que certas pessoas são mais importantes que outras. Argumentos socialistas por equidade e dignidade humana ajudaram a criar o Estado de bem-estar social. Argumentos libertários por liberdade e eficiência levaram a mercados mais livres e a um limite sobre o poder do Estado. O liberalismo também é capaz de se adaptar ao nacional-conservadorismo. Mas neste momento, está ficando para trás.
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL